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Semana Caldeira Transformação

Semana Caldeira 2025: lições para uma transformação humana e digital

A Semana Caldeira reuniu nomes do varejo, da tecnologia e da inovação para discutir o que realmente está transformando o jeito de fazer negócios. De um lado, o brilho das novas tecnologias e da Inteligência Artificial generativa. Do outro, a realidade complexa de um consumidor em constante mudança e a necessidade de gerar resultados tangíveis.

Em meio a tanta transformação, como separar o que é tendência do que é apenas hype? Onde os líderes devem concentrar seus esforços e investimentos?

Executivos de empresas como Arezzo&Co, Grupo Boticário, Lebes, Pompéia, OLX e WhatsApp, entre outros, participaram de diversos painéis e trouxeram experiências práticas, acertos e aprendizados para responder essas perguntas. Entre painéis sobre dados, IA, comportamento e cultura organizacional, uma mensagem que ficou: a transformação não é sobre tecnologia — é sobre pessoas, estratégia e propósito.

A base: dados, decisões e a construção do futuro

O erro mais comum na jornada da transformação digital é a inversão de prioridades. A fascinação pelas ferramentas faz com que a maioria comece pelo fim, escolhendo uma tecnologia antes mesmo de entender o problema de negócio que ela deve resolver. O foco não deve estar em algoritmos complexos ou modelos preditivos sofisticados, mas no que vem antes deles: dados confiáveis, estruturados e orientados ao propósito de negócio.

No caso da Arezzo&Co, ela adotou a arquitetura Lakehouse, que unifica dados em uma plataforma única, eliminando silos e conflitos de informação. O resultado é uma “fonte única da verdade”, capaz de gerar relatórios automatizados, insights em tempo real e aplicações práticas, como um app que reconhece produtos por imagem.

Mas o ponto central não é técnico, é estratégico.

A empresa só chegou a esse nível porque focou em resolver dores reais e básicas do negócio, o famoso “feijão com arroz bem feito”. A equipe de dados foi a campo, de mesa em mesa, e descobriu que a simples automação de relatórios manuais em Excel poderia economizar o tempo equivalente a um funcionário por mês em uma única área. Multiplicado por todas as áreas da empresa, isso representa centenas de horas liberadas para atividades estratégicas.

Essa integração simples é o que diferencia digitalização de transformação.

A IA, os dados e a tomada de decisão para a transformação

Essa abordagem pragmática da Arezzo encontra respaldo na visão de Francieli Pinzon, diretora executiva da White Cube, que apresentou a palestra “Decodificando a IA: da alfabetização em dados à automação de decisões”. Enquanto a Arezzo mostrou o como fazer, Francieli trouxe o por que fazer.

“Muitas empresas começam pelo fim. O caminho certo é Pessoas → Processos → Tecnologia”, destacou ela.

Sua fala reforçou uma verdade muitas vezes esquecida na pressa de inovar: a inteligência artificial não substitui o julgamento humano — ela o amplia. Sem discernimento, governança e clareza sobre o problema que se quer resolver, qualquer ferramenta se torna ruído.

Essa conexão entre discernimento e pragmatismo também apareceu em outros painéis, reforçando uma verdade que atravessa gerações de empresas. Otelmo Drebes, Presidente do Grupo Lebes, uma empresa com 70 anos de história, resumiu sua filosofia de inovação de forma estratégica e consciente:

“Não quero ser o primeiro nessas novas tecnologias, mas de jeito nenhum o último”.

Essa não é uma defesa da lentidão, mas uma forma de deixar que outros paguem o preço dos erros iniciais, aprendendo com eles para implementar a solução de forma mais madura e com menor custo. É a sabedoria de quem já viu muitas ondas de inovação passarem, incluindo o hype do Metaverso, que dominou a NRF há poucos anos e hoje é uma memória distante.

A Adaptação: Navegando a Transformação Contínua

Se há uma certeza no cenário atual, é a da mudança constante. Os líderes da Semana Caldeira deixaram claro que a transformação digital não é um projeto com data de início e fim, mas um estado permanente de ser para os negócios que desejam sobreviver e prosperar.

Carmen Ferrão, da Pompéia, empresa com 72 anos de existência, reforça:

“A experiência nos trouxe até aqui, mas não nos garante o futuro”.

Essa mentalidade, combinada com sua outra afirmação de que “cada década tem sua transformação”, define o que talvez seja o maior ativo das marcas longevas: a capacidade de mudar sem perder o essencial. A transformação que vivemos hoje, segundo ela, é profundamente emocional e humana, exigindo uma nova sensibilidade das lideranças.

O Consumidor nessa transformação

O painel de varejo com Camila Leães (OLX), Amanda Marangoni (Grupo Boticário) e Mariana Gutheil (No One), sobre a integração físico digital, ilustrou a velocidade vertiginosa dessa mudança. “O consumidor não é, ele está.”

Ou seja: as pessoas não se definem mais por perfis estáticos, mas por estados de comportamento que mudam de acordo com o contexto. O desafio das marcas é acompanhar esse movimento — criar experiências flexíveis, que se ajustem ao momento e à motivação de cada interação.

A ideia de persona foi colocada em xeque. Hoje, mais do que desenhar perfis ideais, é preciso compreender drives momentâneos e criar pontos de contato que se adaptam ao ritmo real das pessoas.

O funil de vendas tradicional também está colapsando. A consideração e a decisão de compra acontecem de forma quase simultânea em novos canais, como o TikTok Shop, que já está superando canais estabelecidos para certas marcas.

As estruturas empresariais, muitas vezes organizadas em silos de marketing, vendas e e-commerce, estão atrasadas em relação à realidade de um consumidor que transita fluidamente por todos esses mundos. Essa mesma fluidez de comportamento também molda a forma como a tecnologia evolui — como mostrou o painel do WhatsApp.

Capacidade de adaptação em ecossistemas de negócios

O case do WhatsApp, apresentado por Guilherme Horn, Head de Mercados Estratégicos da plataforma, é um exemplo dessa nova dinâmica. A ascensão do WhatsApp como uma plataforma de negócios não foi uma estratégia corporativa imposta de cima para baixo. Foi um movimento orgânico, nascido durante a pandemia, quando os consumidores e as pequenas empresas o adotaram.

A Meta aprendeu com esse comportamento e desenvolveu a API e as ferramentas necessárias para suportá-lo. O Brasil, aliás, foi o laboratório de várias inovações, como o recurso “enviar mensagem para si mesmo”.

Mais do que um canal de atendimento, o WhatsApp virou um ecossistema de negócios — onde startups, fintechs e até imobiliárias operam inteiramente dentro do app. E o que há por trás disso é o mesmo princípio debatido no painel de varejo: a tecnologia se adapta ao comportamento das pessoas, e não o contrário.

A capacidade de adaptação torna-se, assim, a nova competência central. Isso exige não apenas estruturas organizacionais mais flexíveis e ágeis, mas uma cultura de curiosidade e a humildade de aceitar que o consumidor está no controle. Os vencedores não serão os que resistem à mudança ou tentam prevê-la com exatidão, mas aqueles que aprendem a se mover em harmonia com o ritmo imprevisível do mercado.

O Fator Humano: o Diferencial em um Mundo de Máquinas

À medida que a tecnologia se torna mais acessível e onipresente, ela paradoxalmente deixa de ser um diferencial competitivo. Se todos têm acesso aos mesmos algoritmos e plataformas, onde reside a verdadeira vantagem? A resposta que fica é clara e uníssona: no elemento humano.

Francieli Pinzon, da White Cube, foi categórica ao afirmar que as máquinas não são pensantes. Nosso grande diferencial competitivo como humanos está no discernimento, na capacidade analítica, no pensamento crítico e na criatividade.

A IA é uma ferramenta poderosa de automação e escala, mas é a inteligência humana que lhe confere direção, interpreta seus resultados e a aplica de forma estratégica. Ignorar isso é limitar o potencial humano a resultados medianos e previsíveis.

Criar vínculo na jornada

Essa humanização vai além da tecnologia. Ela se conecta diretamente com a evolução da experiência do cliente, discutida no painel “Entre a loja física e digital”. Mariana Gutheil, CEO da No One, desmistificou um dos maiores mantras do mercado: a busca pela jornada perfeitamente sem atritos.

Uma jornada excessivamente fluida, segundo ela, pode se tornar um “fluxo digestivo sem nutrição”, onde o cliente passa pelo processo de forma tão automática que não cria memória ou vínculo real com a marca.

A verdadeira geração de valor acontece em momentos de consciência, e os clientes estão dispostos a tolerar atritos se perceberem que a marca os entende. Resolver um problema de logística é uma obrigação, mas não é o que gera lealdade. A lealdade nasce da conexão.

É aqui que a loja física revela sua força insubstituível. Em um país onde, como lembrou Otelmo Drebes, mais de 80% das vendas ainda acontecem no ponto físico, o vínculo e o relacionamento humano continuam sendo o maior diferencial.

Carmen Ferrão, CEO do Grupo Lins Ferrão (Pompéia), complementou essa visão, afirmando que as lojas são a “alegria de uma cidade”. Elas são palcos para a interação humana, para a descoberta e para a construção de confiança, algo que o ambiente digital, por mais eficiente que seja, luta para replicar na mesma profundidade.

O Futuro da transformação: criação de valor humanizado

O futuro, portanto, não é sobre substituir humanos por máquinas. É sobre aumentar a capacidade humana. É usar a tecnologia para automatizar o que é repetitivo e liberar as pessoas para fazerem o que fazem de melhor: conectar-se, criar, entender nuances e construir relacionamentos.

A tecnologia mais avançada do mundo é inútil sem uma estratégia profundamente humanizada por trás dela. E essa talvez seja a principal lição deixada pela Semana Caldeira: o futuro dos negócios não será definido por quem tem mais dados, mas por quem sabe usá-los com propósito e empatia.

Aline Autran de Morais

Mais de 25 anos de experiência em varejo de moda, tendo atuado como Gerente de Produto e Gerente de Gestão de Fornecedores na Lojas Renner, Gerente de Supply e Operações na Uatt?. Sócia-proprietária da Ideiamais. Partner da Leev. Professora na ESPM Porto Alegre e PUCRS. Mestre em Administração com linhas de pesquisa em Omnichannel; Inovação em Marketing para o varejo; Marketing Digital; Gestão de Fornecedores. Especialização em Marketing, MBA em Gestão de Varejo e Gestão Empresarial.